domingo, 10 de maio de 2009

Intervenção do Presidente da Direcção na reunião da CML de 28.11.2001

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa:
A Associação de Moradores do Bairro das Calvanas (AMBC), vem hoje a esta reunião de Câmara lavrar o seu veemente protesto, pela forma incorrecta como vem sendo tratada por V. Excia e pelo Senhor Vereador Vasco Franco, ao longo de quase quatro anos de conversações.
O Senhor Vereador não pôs em prática nenhuma das medidas aprovadas para o realojamento de Calvanas e V. Excia, posto perante o problema, disse que ia reunir com o Senhor Vereador para limar as arestas que faltavam e, afinal, não fez nada. Levou mais de três anos para aceder aos nossos inúmeros pedidos de audiência e, afinal, concluímos que a compreensão e boa vontade que demonstrou perante os nossos problemas, não passou de uma postura de circunstância, o que muito nos entristece.
Os dirigentes da Associação de Moradores (AM), por diversas vezes referiram ao Senhor Vereador que a população de Calvanas só aceitaria ser realojada em habitações com as mesmas características: individuais, unifamiliares e com dimensões normais. Referiram, igualmente, muitas vezes, que jamais aceitariam realojamentos provisórios e preveniram também que a população não aceitaria ultimatos para desocupações, enquanto se não verificasse a transferência de todas as famílias para o novo Bairro.
Ao longo dos últimos quatro anos, tudo isto não passou de letra morta para os responsáveis camarários.
Se o que foi negociado entre a AMBC e a CML, por intermédio do Senhor Vereador Vasco Franco, fosse posto em prática, nesta altura, já o novo Bairro estaria em adiantado estado de construção e as Senhoras Técnicas do DGSPH ou de outro qualquer Departamento camarário, ligado ao processo de realojamento, já teriam sido instruídas, com directrizes muito concretas, acerca das condições específicas do realojamento de Calvanas e não andariam os moradores a ser constantemente incomodados com problemas marginais, absolutamente desnecessários para a resolução desta situação concreta.
Reclamámos até ao dia de hoje, que fosse elaborado um documento que contivesse, na íntegra, o teor das conversações. Foi como clamar no deserto. Apenas nos foi prometido, por mais de uma vez, que esse documento iria ser aprovado pelo Executivo.
Então por que motivo o documento não foi aprovado? Em nosso entender só pode haver uma razão: O Senhor Vereador não quer tornar público e oficial que negociou com a AMBC a construção de um novo Bairro para as famílias associadas de Calvanas, junto ao Forte da Ameixoeira e que se comprometeu, em nome da CML, a disponibilizar os terrenos, devidamente infra-estruturados; que as construções seriam idênticas às que existem em Calvanas, moradias unifamiliares com dimensões normais, com garagem, arrecadação e espaços exteriores à frente e na rectaguarda; que a Câmara construiria todo o equipamento social, desportivo e recreativo existente no Bairro, bem como outro que se verificasse indispensável; que das casas seria imediatamente lavrada escritura de Compra/Venda, em nome de cada um dos moradores e que por um prazo de sete anos, as mesmas não poderiam ser vendidas; que independentemente do número de pessoas que compusessem o agregado familiar, na altura do realojamento, as famílias poderiam optar, se assim entendessem, por mais uma ou duas assoalhadas; que os moradores teriam direito a 40%, a fundo perdido, ao abrigo do Per-Famílias, proveniente do INH e teriam também acesso ao empréstimo dos restantes 60%, através da CGD, a juros altamente bonificados.
Estamos a falar de habitações cujo custo se situaria entre os 13 e os 14 mil contos, a custos controlados, claro. Comprometeu-se igualmente a assegurar um tratamento justo aos comerciantes, cedendo-lhes lojas a rendas acessíveis, para poderem dar continuidade às suas actividades; mais ficou acordado que se os comerciantes o desejassem, poderiam comprar, a título definitivo, as referidas lojas.
Nas referidas conversações, adiantou-se como possível data para a transferência das famílias para o novo Bairro, o espaço de tempo que medeia entre o início e o fim do 2º Semestre de 2002. Porém, em função do que se está a passar, nada nos custa a acreditar que o Senhor Vereador Vasco Franco venha a dizer que nada disto corresponde à verdade.
Por outro lado, alertámos imensas vezes o Senhor representante da Câmara, para o facto de pretendermos um realojamento global. Tudo deveria ser planeado para que entre os primeiros realojamentos e os últimos, não decorresse um período superior a seis meses. Acontece que as primeiras casas já foram demolidas à mais de um ano e, pelo andar da carruagem, nem daqui por quatro anos o problema estará resolvido.
Entretanto, o Bairro está completamente lavrado, por causa das máquinas retro- escavadoras que fazem as demolições das casas e que frequentemente circulam no interior do Bairro. As suas “portas” estão actualmente, mercê das demolições, completamente escancaradas, à mercê dos GANGS que proliferam nesta área, desinstalados que foram das Musgueiras, Quinta Grande, Casal Ventoso, Curraleira e outros locais. É um espectáculo desumano e cruel. As pessoas são agredidas, física e verbalmente, assaltadas e roubadas. Há neste momento três casas isoladas, cujos proprietários se viram obrigados a rodeá-las de arame farpado. A integridade física das crianças do Senhor Pratas e do Senhor Guerreiro, corre sérios riscos, visto que os pais têm que ir trabalhar. Os marginais não têm respeito por ninguém e fazem as necessidades, drogam-se e vendem a droga, à frente das crianças e dos adultos. Mas estas famílias, estão ainda confrontadas com outro gravíssimo problema, a sua própria saúde: a lixeira cresce diariamente junto às suas casas e o cheiro nauseabundo é insuportável. As fossas foram rebentadas com as obras feitas pela SGAL e encontram-se a céu aberto, contribuindo tal situação para a reprodução de nuvens de mosquitos. Houve mesmo uma tentativa de soterrar a casa do Senhor Pratas, obstruindo a entrada e colocando à sua volta milhares de toneladas de terras que depois tiveram que ser removidas, porque este morador, bastante corajoso, foi à sede da SGAL e da UPAL, fazer um ultimato muito sério aos seus responsáveis. É horrível, incrível, desumano. Estas famílias nunca tiveram estes problemas, foram-lhes criados pela CML, de forma irresponsável. Que pretendem os dirigentes camarários com esta actuação condenável?
O inferno deslocou-se da zona das Musgueiras que durante cerca de cinco anos sofreram na carne a morosidade dos realojamentos, por falta de planeamento, para a área do Bairro das Calvanas, onde está para durar, pelos mesmos motivos.
E então que falar das notificações, das ordens de despejo, das desocupações coercivas, das ameaças constantes de fazer cumprir as ordens pela força? Quais são os objectivos? O que se pretende com este massacre constante dos moradores? Tem qualquer lógica notificar um residente para desocupar a arrecadação, a capoeira, a garagem, o jardim ou o quintal, se o seu problema de habitação ainda não foi resolvido? Porque se brinca desta maneira leviana e gratuita, com a dignidade de pessoas honestas?
Esta Associação de Moradores, intercedeu junto do Senhor Vereador para se resolver com urgência o realojamento de dois casais idosos. De nada valeu, não fomos atendidos.
Da mesma forma, porque existem no Bairro duas ou três famílias que não se importavam de regressar aos seus locais de origem, solicitaram à AMBC que lhes informasse o montante da indemnização a que teriam direito. Solicitámos ao Senhor Vereador que nos desse essa informação, mas também não tivemos melhor sorte.
Em suma, toda a colaboração que ao longo de quatro anos fomos solicitando à CML, na pessoa do Senhor Vereador Vasco Franco, para podermos ajudar a população, foi sistematicamente protelada, ignorada, e os acordos que fizemos foram, até ao momento, completamente incumpridos.
Creio ser oportuno, neste momento, perguntar ao Senhor Presidente da Câmara e ao Senhor Vereador Vasco Franco, se realmente pensam que as pessoas que vivem em Calvanas são seres humanos, com direitos e deveres, iguais a todas as outras, ou pelo contrário as julgam outra qualquer espécie de animais, sujeitos a vexames e discriminações constantes. É que, a julgar por todas as vicissitudes que a Câmara lhes tem causado, não é de bom-tom pensar que esta Comunidade vai continuar acomodada e resignada ao papel de sofredora, à espera da tigela de sopa de lentilhas que a CML lhe quer reservar.
Foi entregue ao Senhor Vereador Vasco Franco, uma listagem contendo as famílias que desejam ser realojadas através do PROJECTO COOPERATIVO. A Câmara não respeita a vontade das pessoas e todos os dias as pressiona com aliciamentos que não consideramos sérios. Ainda não realojaram as famílias que aderiram à RENDA SOCIAL e já andam a minar as restantes famílias com este tipo de propostas. Recentemente, para um total de 14 apartamentos, enviaram aos moradores mais de três dezenas de cartas, oferecendo-lhes a casa dos seus sonhos na Quinta dos Barros. Porquê este tipo de procedimento? Então oferecem-se a 40 famílias, apenas 14 casas? E que se faz com as outras? Isto só pode ser mesmo uma brincadeira: obrigar as pessoas a candidatar-se e a preencher formulários, para depois serem rejeitadas, é mais uma humilhação.
Se era esta a solução que a CML tinha para oferecer às pessoas, porque andou quatro anos a negociar com a ABMC um projecto diferente? Esta situação não faz sentido e alguém entrou neste Processo, desde o início, de má fé.
Se assim foi, não encontramos palavras apropriadas, para descrever com rigor, aquilo que nos vai na alma. Enredar uma população, através da sua Associação e dos seus dirigentes, durante quatro anos, é algo que nunca nos tinha passado pela cabeça, por bem absurdos que fossem os nossos pensamentos, em algumas circunstâncias.
A nossa presença hoje aqui, tem por finalidade acabar de uma vez por todas com este tabu: Senhor Presidente, Senhor Vereador, o que se negociou ao longo de quatro anos, é para valer ou é para esquecer?
Tem a palavra V. Excia, para nos dizer com clareza, aquilo que tem em mente, não esquecendo de se referir a todas as questões que ao longo do texto lhe foram colocadas. A população de Calvanas é sensível e paciente mas também não se lhes pode exigir, algo que é humanamente impossível de suportar e de aceitar.
Muito obrigado a todos.

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